"SE EU TIVESSE ISSOZINHO DA SUA VOZ, NINGUÉM ME SEGURAVA.", disse Xuxa, apertando polegar e indicador ao ouvir Patricia, então com nove anos. A menina acabava de interpretar "Canta Brasil" (clássico de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser) sem acompanhamento, com voz segura e afinada. Era o tempo em que Patricia fazia dupla com Luciano, e protagonizavam o programa Clube da Criança, da rede Manchete, comandado por Xuxa. Ninguém segurou Xuxa, apesar da voz. Ninguém segura mais Patricia, por causa da voz. Com 13 anos de idade, oito de carreira, 11 LPs na bagagem, 1 metro e 60 cm de altura, 47 quilos, a menina canta como nenhuma outra criança. Seu primeiro disco solo, Patricia (Paty), lançado em outubro passado, está chegando à marca de 250 mil cópias vendidas. O rock "Festa do Amor", tema da novela Bambolê, explodiu nas paradas de todo o Brasil. Patricia coleciona prêmios: Ganhou um concurso para jovens cantores em Portugal há dois anos.Sua coleção de discos de ouro e platina ocupa uma parede inteira do sobrado onde mora com os pais, no bairro Sumaré, em São Paulo.
A voz é cada vez mais elaborada, a interpretação consegue transformar as vulgaridades da dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas em produtos de qualidade. Patricia veio para arrebatar o público infanto-juvenil. "Faço música adolescente", diz ela, orgulhosa por ter mudado de fase. "Apesar de gostar de todos eles, não aguentava mais ouvir Jairzinho & Simony, Os Abelhudos e Xuxa." Nem a meninada que cresceu desde que o boom da música infantil aconteceu em 1984. Patricia evoluiu com o público. Domina o palco com talento."Adoro grandes espaços, com a eletricidade do público eu me transformo." Ela parece virar outra. Dança e canta como ninfeta, fala das hesitações dos adolescentes.
Com a explosão de "Festa do Amor", há um mês, ela começou a maratona de shows. Percorreu Nordeste e Sul, lugares que ela conhece dos tempos do Trem da Alegria, um grupo formado pela RCA em 1985, para concorrer com o Balão Mágico. "Quando ela desce do palco, as pessoas se espantam: então era essa meninininha?", comenta Carlos Marques de Azevedo, de 34 anos, pai e empresário, que abandonou um bom emprego como projetista de arquitetura para organizar a agenda da filha.
Patricia Marques de Azevedo, canceriana e paulistana, é teimosa. Briga com os pais pelos seus direitos. Discute com os técnicos de som, maestros e produtores. "Detesto cantar com playback.", reclama, consciente que a MPB está virada num karaokê arranjado pelos Lincoln Olivetti da vida. Nos shows e nos discos, ela cantou até hoje com playback. "É tantos erros e rolo que eu me atrapalho.". Ela tira ouro de tanto rolo. UMA ARTISTA COMO ELA SÓ APARECE DE DEZ EM DEZ ANOS. Antes dela, surgiram Elis Regina e Bebel Gilberto. E desse tipo de artista, o mundo exige garra. Patricia não se atemoriza. Sábado e domingo próximos, dias 16 e 17,às 15 hs, ela se apresenta no Projeto SP, inaugurando a promoção Porta para os Baixinhos, dedicado ao público infanto juvenil. Dias 22 e 24 de janeiro, Patricia vai a Oasasco,para cantar no Rhapsody Club. E dia 31, o desafio será pesado: Fazer sozinha um show no Projeto Leste. Em fevereiro, dias 6 e 7, ela se exibe em Marília e Presidente Prudente. Começando as aulas, exige revezar shows e descansos no fim de semana. "Quero ter tempo para estudar dança, piano e composição."
Piano, ela estuda há cinco anos.Já tocou sonatinas de Bethoven e chegou a compor peças do gênero. Dança desde os 3 anos de idade com a mãe, Cristina, professora de balé. Começou a se mostrar na TV com seis anos de idade no programa Pullman Jr, da TV Gazeta. Ela não cantava. Dublava Carmem Miranda, Kate Bush e Lucinha Lins em 45 rotações. Com 6 anos, cantou no programa Sílvio Santos. 'É um talento", julgou Aracy de Almeida. Com 7 anos, resolveu enfrentar o Chacrinha, então na Bandeirantes. Ganhou o prêmio de melhor calouro do mês, cantando "Deixa Chover", de Guilherme Arantes. "Patricia tinha medo da buzina", conta Daniel, ciumento irmão único de nove anos.
Xuxa ajudou na profissionalização. "É de Chocolate", sucesso de 1984 cantado com Luciano, confirmou o talento. Patricia passou a vender disco. A RCA formou o Trem da Alegria, que chegou a marca de 1 milhão de discos em 1986. Já com 12 anos, ela era chamada de babá pelos outros integrantes do grupo. "Não me sentia mais criança e pedi pra sair do grupo." Parecia o fim da carreira. O boom infantil exigia sempre novinhos - e Patricia era adolescente. O contrário se deu inesperadamente. Os fãs lotam os bastidores nos fins dos shows. "Ficam alvoroçados" (ela fala assim mesmo, "alvoroçados".) "Quando eu me aproximo, eles não acreditam. Pensam que sou figura de TV."Ela quer continuar na música, passar dois anos nos Estados Unidos estudando dança, compor e cantar. O que mais gosta de fazer é analisar música. "Passo tardes inteiras ouvindo cds de Miles Davis, David Bowie e Tom Jobim. O modelo de cantor é Madonna. "Gosto da presença de palco dela."Musicalmente, prefere o "instrumetal diferente" de Miles e as músicas românticas de Tom Jobim. Aliás, a melhor faixa do seu LP, "Vivo Sonhando", foi composta por Tom. Patricia sonha se encontrar com para uma jam session ou disco. "Se isso acontecer, acho que desmaio."
Ela entende de música. "Não gosto do som barulhento dos Titãs. Acho punk uma coisa babaca." Ás vezes, tem ímpeto de brincar de bonecas. "Mas logo me dá vontade de dirigir e sair por aí." Namorar não faz parte dos seus planos momentâneos. "Nem haveria tempo, vivo voando entre Rio e São Paulo." Musa dos adolescentes recém-nascidos, dona de uma voz cristalina, Patricia tem tudo para se tornar uma cantora de primeira linha. Para isso, no entanto, ela terá de impor o seu próprio gosto - refinadíssimo -, ao passo que a MPB terá que mudar de mentalidade. Patricia supera e transfigura o karaokê dos estúdios. SURGE UMA ESTRELA.
JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO
Caderno 2
Matéria por: Luiz Antônio Giron
10 de janeiro de 1988.
#PatriciaPaty30anos
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